29 outubro 2022

Hallucigenia, uma criatura alucinante

Hallucigenia sparsa
Crédito: Qbliviens, 2019

    
Hallucigenia é um gênero de animal extinto semelhante a um verme, com aparência que parece ser produto de uma alucinação - o que explica seu nome, oriundo do latim hallucinatio. Viveu em meados do período Cambriano, há cerca de 500 milhões de anos, no fundo dos mares ao redor do mundo, e media de 5 a 55 mm de comprimento. Sua descoberta causou um longo debate científico a respeito de sua reconstrução e de suas relações evolutivas com outras linhagens de seres vivos. Hoje, porém, é reconhecido como um lobopódio, um grupo informal de panartrópodes do Paleozoico que deu origem aos onicóforos (vermes-aveludados), tardígrados (ursos-d'água) e artrópodes (insetos, crustáceos, aracnídeos, entre outros).

© Mundo Pré-Histórico
(Baseado na reconstrução de Paleozoo)

    O corpo longo e tubular da Hallucigenia possuía 10 pares de pernas delgadas (chamadas lobópodes). Os primeiros dois ou três pares eram simples, enquanto os demais terminavam em uma ou duas garras pequenas, as quais eram constituídas de capas cônicas de cutícula sobrepostas (mesma estrutura encontrada nas mandíbulas dos vermes-aveludados, corroborando seu parentesco). No dorso havia 7 pares de espinhos cônicos e rígidos, que correspondiam do terceiro ao nono par de pernas. O corpo podia ser liso (espécie Hallucigenia sparsa) ou segmentado em anéis (Hallucigenia fortis e Hallucigenia hongmeia). A cabeça do animal localizava-se na extremidade mais alongada para além das pernas e alojava um par de olhos simples e uma boca em posição anteroventral. Ao menos H. sparsa possuía dentes radiais, afiados como alfinetes, dispostos desde a boca até o estômago (dentes faringeais). A cabeça inclinava-se para baixo e seu formato difere entre as espécies: alongado em H. sparsa e arredondado em H. fortis - em H. hongmeia essa parte do corpo não foi preservada.
    A Hallucigenia foi descoberta pela primeira vez no Folhelho Burgess, sítio fossilífero nas Montanhas Rochosas Canadenses, e descrita em 1911 pelo paleontólogo americano Charles Walcott, originalmente como uma espécie do verme poliqueta Canadia (Canadia sparsa), que viveu no mesmo local. Em 1977, Simon Conway Morris reconheceu o animal como algo distinto, estabelecendo então um novo gênero. Como não havia um espécime com ambas as fileiras de pernas visíveis, Morris imaginou que a criatura se apoiava sobre os espinhos - surgiu a dúvida de como ela caminharia sobre "pernas" tão rígidas, mas esta era a melhor suposição até então - e interpretou suas verdadeiras pernas como uma série de tentáculos nas costas, que serviriam para agarrar partículas de alimento e levá-las até a boca. Outra hipótese apresentada na época era que a Hallucigenia seria, na verdade, parte de um animal maior, desconhecido, como já havia ocorrido no caso do Anomalocaris. Somente em 1991 Lars Ramsköld e Hou Xianguang identificaram a Hallucigenia como um lobopódio e inverteram a criatura, reconhecendo os espinhos como estruturas meramente defensivas. Finalmente, em 2015, Martin Smith e Jean-Bernard Caron conseguiram distinguir os olhos e a boca no que antes pensava-se que era a cauda do animal, confirmando a suspeita de Ramsköld de que a mancha escura presente em muitos dos espécimes fossilizados não era a cabeça, mas sim as entranhas expelidas do corpo quando esses indivíduos morreram.

A cabeça deste fóssil de H. sparsa está na extremidade à direita, enquanto a mancha escura à esquerda, por muito tempo confundida com a cabeça, é apenas um artefato de preservação de fluidos viscerais expelidos.
Crédito: Martin Smith, 2015 / Nature

    109 espécimes de H. sparsa já foram coletados na Camada dos Filópodes, no Folhelho Burgess. Hallucigenia fortis e H. hongmeia foram descritas em 1995 e 2012, respectivamente, a partir de fósseis dos folhelhos de Maotianshan, em Chengjiang, sudoeste da China. Espinhos isolados de halucigeniídeos, entretanto, distribuem-se amplamente em depósitos rochosos do Cambriano.

Classificação científica:
Reino: Animalia
Superfilo: Ecdysozoa
Clado: Panarthropoda
Filo: †"Lobopodia"
Família: †Hallucigeniidae
Gênero: †Hallucigenia
Espécies: †Hallucigenia sparsa, †H. fortis e †H. hongmeia

As três espécies conhecidas de Hallucigenia - H. sparsa (topo), H. hongmeia (esquerda) e H. fortis (direita) -, com indicações dos locais onde viveram no mapa-múndi cambriano.
Crédito: Gabriel Ugueto, 2021
Sequência apresentando a evolução do entendimento científico sobre a Hallucigenia ao longo das últimas décadas.
Crédito: Nix Illustration, 2022

8 comentários:

  1. O Hallucigenia é um dos seres mais estranhos e enigmáticos do mundo! Durante o Paleozóico a evolução experimentou bastante, e o Hallucigenia prova isso. Muito boa postagem, Felipe, parabéns!

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    1. Aliás, qual será a próxima postagem que irá atualizar?

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    2. Ainda não sei... Eu comecei a atualizar a do Dsungaripterus, prometi fazer a do Gigantoraptor, mas por enquanto estou escrevendo uma nova.

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  2. Anônimo17/11/22

    Que boa postagem cara, e você podia atualizar as postagens do Tiranossauro, Triceratops e Stegosaurus?

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  3. Anônimo28/5/23

    Nice post thank you Ian

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